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Frufru Rataplã Dolores (Dalton Trevisan)

Logo que vi a notícia sobre os pais e professores de uma escola de Minas que achavam a leitura de Dalton Trevisan imprópria para seus filhos pensei que se tratava de mais uma bobagem sem tamanho, uma tentativa de impor um código moral na literatura quando não se aplica em outras mídias (cinema, TV, etc.). Cheguei até a planejar escrever algo sobre isso, mas aí lembrei de como era quando eu era adolescente: se me falassem que eu não podia, aí sim que eu ia cismar com aquilo. Então minha conclusão do caso todo é que bem, esses pais e professores acabaram prestando um favor à molecada. Consigo imaginar títulos de Dalton sendo lidos clandestinamente, passados de mão em mão – mais ou menos como aconteceu comigo com Christiane F., quando tinha 12 anos. Ok, na realidade eu fico torcendo por isso. Porque Dalton não carrega o título de “um-dos-melhores-contistas-brasileiros” por nada. Escrevendo há tantos anos, o autor já trabalhou o conto das maneiras mais variadas, dilapidando de modo a tirar toda a gordura, e mesmo com contos hai-kais ainda assim consegue criar grande efeito no leitor.

É o que fica evidente em Frufru Rataplã Dolores, coletânea lançada pela L&PM recentemente. O livro é bastante curto (não chega a 130 páginas) e traz uma série de contos publicados anteriormente em livros que saíram pela Editora Record. A ideia, ao que me parece, é ter uma espécie de “menu degustação” de Dalton, de modo a conhecer melhor seu trabalho. E de fato, a essência do contista está ali, nos pequenos retratos do cotidiano de gente absolutamente normal, com toda a variedade de qualidades e defeitos que qualquer um pode ter. Não são heróis, não são perfeitos e justamente por isso encantam (e talvez também por isso incomodem?). Com Dalton  Trevisan o ordinário é colocado sob uma lente de aumento, e podemos observá-lo dos mais diferentes ângulos.

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Histórias de Fantasmas (Charles Dickens)

Antes de falar sobre a coletânea História de Fantasmas, que reúne 13 contos do escritor inglês Charles Dickens, acho importante já começar com um aviso: apesar do nome, nem todos os contos são de fantasmas. E embora a palavra “fantasmas” evoque uma atmosfera de horror, nem todos os contos são desse gênero – aliás, uma característica notável de Dickens é o humor. O que não quer dizer de modo algum que quando ele se propõe a escrever histórias arrepiantes ele não o faça muito bem, aliás, é curioso que algumas das histórias mais assustadoras do livro não envolvam exatamente fantasmas, mas o sobrenatural de modo mais geral, digamos assim.

A coletânea já abre muito bem com “O sinaleiro”, provavelmente um dos melhores contos de Dickens que lidam com o desconhecido. Há algo extremamente especial no modo como o autor faz as descrições em suas histórias, porque é o equilíbrio perfeito no uso das descrições, fazendo com que o leitor seja transportado para castelos escuros, lugares tomados pela neblina – mas sem que isso desvie a atenção (e portanto, prejudique o desenvolvimento da tensão), ou que simplesmente seja enfadonho para quem lê.

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O horror em Red Hook (H.P. Lovecraft)

O nome de H.P. Lovecraft é um dos que comumente aparecem em listas de mestres do horror na literatura. Não é por acaso: o universo que ele criou com os Mitos de Cthulhu por si só já bastaria para reconhecer o talento que este escritor tinha para escrever histórias arrepiantes, daquelas que deixam o leitor tenso do início ao fim. Porém ao leitor que não mergulha de fato no mundo de Lovecraft, pode ficar a sensação de que o autor produziu apenas histórias sobre os Grandes Antigos, o que não é verdade. Lovecraft explorou o horror de formas diversas, como fica claro no título da Coleção 64 Páginas da L&PM,O horror em Red Hook.

O livro de bolso traz uma seleção de três contos que chamam a atenção justamente por não fazerem parte das histórias relacionadas a Cthulhu. Há controvérsias sobre o primeiro conto, “O horror em Red Hook”, mas em uma leitura mais superficial dá para considerá-lo um título fora do mito. Neste primeiro conto somos apresentados ao policial Malone, que depois de um caso que envolveu prédios caindo em Red Hook precisou fazer um retiro para não enlouquecer. O que aconteceu em Red Hook é revelado aos poucos, mostrando uma história envolvendo rituais satânicos.

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Simon’s Cat: As aventuras de um gato travesso e comilão (Simon Tofield)

Não há dúvidas, a Internet é feita de gatos. Você pode até não gostar dos bichanos, mas sites como o I can has cheezburger só comprovam o que muito gateiro já suspeitava: faça algo com gatos e você fará sucesso. Uma pessoa que descobriu isso foi Simon Tofield, que em 2007 colocou no ar o vídeo Cat Man Do, o primeiro da série de animações Simon’s Cat. O sucesso foi tão grande (mais de 200 milhões de fãs no Youtube), que Simon’s Cat ganhou espaço em outros lugaress: sai em tirinhas no Daily Mirror e em livros, sendo que o primeiro chegou no Brasil pela editora L&PM agora em 2012. Com o subtítulo “As aventuras de um gato travesso e comilão”, o livro traz mais de duzentas páginas com ilustrações do bichano.

A sacada de Tofield é que ele faz um trabalho de gateiro para gateiros: em inúmeras situações você pode reconhecer seu gato nos desenhos. Afinal, quem convive com esses bichinhos sabe que apesar de serem lindos e, ao contrário do que dizem as más línguas, extremamente fiéis e excelente companheiros, ainda assim aquele fator “personalidade” desses animais de estimação acabam causando situações que só quem tem um reconhece. Por exemplo, revendo agora o primeiro vídeo de Tofield reparei no colchão – cheio de rasgões criados pelo gatinho ao afiar as unhas. Sim, o meu está exatamente desse jeito, só em um cantinho, que eles elegeram como o favorito. Vá entender. O “vá entender” serve tanto para o que faz o gato só arranhar um canto, como o que faz um ser humano manter um bicho que detona um objeto tão importante do lar.

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As Virgens Suicidas (Jeffrey Eugenides)

Por mais que algumas pessoas pensem que boas histórias são escritas como que em uma enxurrada criativa vivida pelo autor, a verdade é que pelo menos nos bons livros nada é por acaso. Para explicar meu ponto de vista, dou este exemplo: o que seria de Dom Casmurro se ao invés de um narrador-personagem (Bentinho) tivéssemos um narrador em terceira pessoa, onisciente e que não atribuísse qualquer juízo de valor aos acontecimentos descritos? Bom, obviamente que Capitu não seria lembrada por tantos brasileiros (mesmo os que se traumatizaram com as aulas na escola). E digo isso porque se As Virgens Suicidas é um livro tão hipnotizante, é justamente por causa das (ótimas) escolhas de Jeffrey Eugenides ao contar os mistérios envolvendo os suicídios das meninas Lisbon.

Convenhamos, as opções para contar a história eram infinitas. Poderia ser romance epistolar, com trocas de cartas das garotas. Poderia ser uma imitação de páginas de diário. Poderia tanto, e Eugenides seguiu um caminho um tanto surreal: o narrador é um dos meninos que moravam na mesma rua que as Lisbon e que eram apaixonados talvez nem tanto pelas irmãs, mas pelos segredos que faziam das meninas seres inalcançáveis. E o efeito causado por essa escolha do autor é que nós, leitores, que poderíamos até pensar nas Lisbon como garotas comuns, acabamos nos encantando pelas personagens e também ficando curiosos, porque é através de olhos apaixonados que as vemos.

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O Retrato (Nicolai Gogol)

Minha primeira lembrança de contato com um livro da L&PM foi de um Hamlet, não lembro ao certo se comprado em 1999 ou em 2000. Custava 3,90 reais. Lembro que grifava os títulos dos outros livros que gostaria de comprar, porque estava ali uma oportunidade de ler coisa boa por um preço igualmente bom. O tempo passou e é evidente que aquele preço não era mais possível, chegando aí novas tentativas da editora de continuar colocando no mercado pockets baratos com, por exemplo, a série L&PM Plus. E recentemente chegou uma nova investida da L&PM, a série 64 Páginas. A ideia é ter número de páginas e preço fixo: as tais das 64 por cinco reais. Dos títulos disponíveis tive a oportunidade de conhecer O Retrato, de Nicolai Gogol.

O conto está disponível em um outro livro da editora, O capote seguido de O retrato, vindo agora sozinho nesta edição. É de fato bastante interessante e gostoso de ler, o que talvez seja um pouco da proposta da coleção (além do preço baixo), de oferecer uma obra de qualidade que possa ser lida rapidamente. Para todos aqueles que vivem reclamando de falta de tempo para ler, talvez esse seja um bom começo. 64 páginas voam em poucas horas, especialmente se a história for boa como esta de Gogol.

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O Psicopata Americano (Bret Easton Ellis)

Perto do final do romance O Psicopata Americano, de Bret Easton Ellis, temos um capítulo chamado “Fim da década de 1980”. A verdade é que este bem que podia ser um título para a obra de Ellis, já que resume tão bem o espírito geral do que se lê ao longo das quase 500 páginas, em uma narrativa sob o ponto de vista de Patrick Bateman. Bateman é o “psicopata” da história, mas inicialmente aparece apenas como mais um yuppie (termo usado para se referir a jovens adultos de classe média ou alta), com uma rotina tão próxima do esteriótipo que chega quase a ser um clichê. Ele se preocupa com a marca das roupas que usa, repara nas que seus colegas de trabalho usam, quer frequentar os lugares da moda, é mimado, egoísta e completamente desprovido de grandes sentimentos pelas pessoas próximas. É quando ele começa a falar em cabeças decepadas no congelador que o leitor passa a perceber que cheirar cocaína não é o único ato criminoso que Bateman comete.

Eu poderia seguir comentando sobre os assassinatos, mas durante a leitura resolvi tomar outro caminho. Explico: à medida que Bateman vai perdendo o controle sobre suas vontades e ficando cada vez mais violento, a narrativa fica pesadíssima. Torturas envolvendo choque elétrico, uma ratazana sendo colocada dentro da vagina de uma mulher, pedaços de outra sendo cozidos, etc. E acreditem, eu estou sendo breve e poupando os detalhes. Tem que ter estômago mesmo, e quem fala aqui é uma fã de filmes slashers, para ter ideia. Mas apesar de toda a piração do narrador ao descrever seus atos, não consigo deixar de ficar com uma certa pulga atrás da orelha sobre se os crimes realmente aconteceram, ou se ele estava apenas imaginando coisas. Algumas passagens colocam isso em dúvida, e por isso que foquei em outro aspecto, o de ninguém prestar atenção em ninguém.

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Clássicos da Literatura em Quadrinhos: Um Conto de Natal

Um Conto de Natal, de Charles Dickens, é um daqueles casos de histórias que fincaram raízes no imaginário popular, e que mesmo quem nunca leu ainda assim sente-se familiarizado com vários de seus temas e imagens. Um exemplo disso é o nome de Tio Patinhas em inglês, Scrooge, assim como o protagonista sovina do conto clássico. A ideia do velho avarento e azedo que odeia o natal e após a visita de três fantasmas passa a ver o real significado desta data já ganhou diversas adaptações, de desenho animado até filmes (quem aqui não lembra do Bill Murray em Os Fantasmas Contra Atacam?). Mas para quem ainda nunca ouviu falar, deixo como sugestão de leitura o post da Kika falando sobre esse conto de Dickens.

Conto esse que ganhou uma adaptação em quadrinhos, com roteiro de Patrice Buendia, arte de Jean-Marc Stalner e cores de Caroline Romanet. Lançado lá fora como Le Conte de Noël, os quadrinhos chegam aqui no Brasil em uma edição bem caprichada da L&PM. Capa dura, papel de boa qualidade e inclusive informações extras sobre o autor. A história e os costumes do feriado de Natal são alguns dos destaques desse livro, que faz parte de uma coleção que, além deste título, tem outros como Guerra e Paz, Dom QuixoteA volta ao mundo em 80 dias. 

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O livro dos esnobes (William Makepeace Thackeray)

Consta que a palavra “esnobe” veio do inglês “snob”, cujo primeiro significado foi “fazedor de sapatos” (usado por volta do século XVIII). Passou a ser adotada como gíria na Universidade de Cambridge para comerciante local ou homem da cidade cerca de quinze anos depois, e no século XIX mudou de sentido: falava de uma pessoa de classe social “inferior”. É engraçado que atualmente, se formos usar essa palavra para falar de uma pessoa, o sentido será de alguém que se considera superior aos demais. O esnobe do livro de William Makepeace Thackeray encontra-se em uma zona cinza entre a penúltima e a última definição (mas sim, um tanto mais próximo da última).

Thackeray os descreveu detalhadamente em uma série de artigos para a revista inglesa de humor chamada Punch. A coluna semanal chamava-se “Os esnobes da Inglaterra: por um deles”, sendo publicada entre 1846 e 1847, e na época foi um sucesso (embora alguns “colegas” do escritor não aceitassem muito bem os textos). Tanto é que no ano seguinte foi lançada como livro, mais ou menos na época em que publicava também o romance Vanity Fair, talvez seu trabalho mais conhecido. Continue reading O livro dos esnobes (William Makepeace Thackeray)

On the Road – O Manuscrito Original (Jack Kerouac)

Em um ponto a Literatura tem muito de História: a busca por momentos (ou neste caso, obras) que surgem como divisores de águas. Assim como a História tem a Queda da Bastilha, a Literatura tem, por exemplo, A Ilíada de Homero. E quando se fala de obras modernas, e principalmente da cultura norte-americana, não é erro algum colocar On the Road de Jack Kerouac entre um desses livros fundamentais para a compreensão de todo um momento (e movimento!) literário.

A lenda por trás do título conta que Kerouac escreveu o livro em apenas três dias, datilografando como um louco um rolo de papel, contando uma história recheada de viagens pelos Estados Unidos. Essa tinha uma natureza extremamente biográfica – o que fica óbvio durante a leitura do manuscrito original, cuja tradução foi lançada recentemente pela L&PM no Brasil. Se no livro que você leu as personagens principais eram Sal Paradise e Dean Moriarty, no manuscrito original vemos Kerouac e Neal Cassady, além de outras figuras como Allen Ginsberg e William S. Burroughs, por exemplo.

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