Leitor é mesmo um bicho engraçado. Em alguns casos, se o sujeito gosta muito de um livro, tudo sobre aquele título torna-se uma questão pessoal. É como se aquela obra ajudasse a defini-lo como pessoa, funcionasse como um cartão de visitas e também um modo de reconhecimento de iguais. “Opa, você também gosta de Oscar Wilde? Nossa, você deve ser muito legal”. Algo assim. É um negócio meio egocêntrico e vaidoso, mas ao mesmo tempo de (falsa) humildade: não saímos por aí dizendo o quanto nos achamos legais por ler fulano de tal, mas consideramos isso como um aspecto positivo de uma outra pessoa, meio que confirmando o que já achamos sobre nós mesmos. E caramba, como isso é idiota, mas como fazemos isso. E quando descobrimos um gosto em comum com um escritor que admiramos? Nossa, é o paraíso. Mas sim, também é idiota. Como disse, leitor é mesmo um bicho engraçado.
A questão é que por incorporarmos determinados livros e escritores à nossa personalidade, muitas vezes não sabemos lidar com uma crítica negativa a algo que gostamos. Lembrando: aquilo faz parte de nós, então se aquilo é ruim, algo que enxergávamos como positivo em nós mesmos é colocado em xeque. Não é um processo pensado, é quase involuntário. Quando você percebe já está defendendo um livro com unhas e dentes, e dependendo da argumentação do seu interlocutor, é bem provável que em algum momento você lance a bomba: GOSTO É GOSTO. Minha reação para tal frase sempre foi algo mais ou menos assim:
Não levem à mal. Eu sou a maior defensora do “gosto é gosto”, acredito mesmo nisso. Mas o maior problema de discussões (provavelmente) encerradas com o “gosto é gosto”, é que essa frase tem uma continuação não pronunciada, que segue mais ou menos assim: “Gosto é gosto, portanto eu posso gostar do que você não gosta, mas você não pode não gostar do que eu gosto”. É uma lógica meio obtusa, eu sei, portanto colhi alguns comentários feitos por leitores nos meus posts sobre a trilogia Cinquenta Tons de Cinza para usar como exemplo. Só para contextualizar, caso você esteja aqui e não tenha lido o que comentei sobre os livros, digamos que a palavra mais próxima de um elogio que uso é “tolerável”.
Bom, acho que já deu para entender. E aí nós que escrevemos para blogs sobre livros entramos em um dilema: se só falamos bem dos livros, somos vendidos, só fazemos isso por causa das parcerias e yadda yadda yadda. Se falamos mal, não somos éticos (??!!!) e estamos de algum modo também ofendendo os leitores. Quer dizer, não é exatamente um dilema, porque eu continuo escrevendo o que senti ao ler determinada obra, seja lá o que venham me dizer na caixa de comentários depois. De qualquer maneira, vamos retornar à questão do gosto. Algo que não fica claro para muita gente (e olha, até o pessoal da ~~academia~~ tem dificuldades sobre isso), é que um livro não é nem um definidor de personalidade (portanto, falar mal de uma obra não é falar mal de você), nem um negócio que deve ser lido de uma única maneira. Vamos por partes.
Um livro não é definidor de personalidade
É óbvio que uma pessoa dizendo que gosta das mesmas coisas que você é ótimo, vamos partir do princípio que no mínimo ajuda com assunto para primeiras conversas. Mas veja bem, dizer que uma pessoa é legal porque ela gosta das mesmas coisas que você, além de ser extremamente vaidoso ainda pode te colocar em algumas roubadas. Eu já conheci uma quantidade absurda de pessoas absolutamente cretinas com quem não passaria mais de meia hora em uma mesa de bar que gostam dos meus autores favoritos. Por outro lado, conheço pessoas fantásticas que abominam muitos dos meus queridinhos (alôuuu, Sky!).
Isso que nem entrei no campo do “Pensava que era inteligente, mas nossa, olha o lixo que essa pessoa lê”. Eu tenho talvez uma definição mais abrangente de inteligência, mas certamente passar os olhos em alguns títulos canônicos não faz uma pessoa ser mais ou menos inteligente para mim. E digo isso por mim. Não me acho mais inteligente do que x ou y só porque ui, eu li Guimarães Rosa, Virginia Woolf e sei lá, Dostoiévski. E nem acho que fiquei mais burra porque li a trilogia dos Cinquenta Tons de Cinza nesse mês que passou. Enfim, a inteligência para mim não vai se refletir no que você leu, gostando ou não, mas no que você faz com esse novo conteúdo.
E seguindo nessa linha de raciocínio, confesso que não suporto comentário de pessoa que tenta classificar o tipo de leitor de um livro. Estou citando bastante o caso de Cinquenta Tons porque é evidente que a coluna desse mês é, de alguma forma, uma resposta aos comentários que recebi nos meus posts sobre os livros. Mas fora a babaquice do “Pornô para mamãe” (que apesar de tudo, pelo menos não é pejorativo), já ouvi papo de que as leitoras desse livro são “Gordas mal comidas” entre outras variações do mesmo tema. Meu filho, vamos lá: você pode não curtir o negócio, pode ficar fulo da vida que pessoas leem mais bestsellers do que clássicos, mas por favor, não seja cretino. Critique o livro, não quem o lê.
Um livro não deve ser lido de uma única maneira
E aqui entra o fator mais importante. Em uma palestra lembro que uma professora fez um exercício interessante com a platéia: pediu que fechássemos os olhos e pensássemos em milho. Sim, milho. Aí no telão ela projetou uma imagem de uma espiga de milho tal como nós lembramos de ter comido na praia (haha, espero que não seja só no litoral paranaense que comam milho verde na praia) ou em festas juninas, aquela espiga com os milhos amarelinhos bonitinhos. E então ela disse que se ela fizesse esse mesmo exercício em outros lugares do mundo, a imagem do milho seria diferente (e aí ela colocou no telão fotos de milhos que são tipicamente consumidos em outras regiões do mundo, bem diferentes do nosso amarelinho).
E veja bem, estamos falando de uma palavra só. Agora pense em um romance, com muitas, muitas palavras, que apesar do significado padrão que apresentam, despertam em cada leitor memórias, julgamentos, etc. diferentes. Pensem em como esse complexo código é quebrado de formas diversas, e não só de pessoa para pessoa. Às vezes lemos algo com uma idade e quando anos depois vamos reler, aquilo se revela de um modo completamente diferente para nós.
É por isso que eu brinco que há uma certa CNTP para que gostemos de um livro. Eu meti o pau em Cinquenta Tons, mas de repente se tivesse lido em outro momento da minha vida ele teria sido no mínimo divertido para mim. Porque tem isso também: você pode avaliar um livro só pela diversão que proporciona, ou pelo aspecto formal, ou por ambos, tanto faz. Mas não dá para torcer o nariz para quem chegou ali nos comentários dizendo que adorou, porque olha, literatura também é entretenimento, e se alguém consegue se divertir com isso, QUE BOM.
Moral da história
Sim, eu posso não gostar do que você gosta e isso não tem nada a ver com você, mas com o livro. Você não é burra por achar um Mr. Grey apaixonante, nem eu por não achá-lo. E não é questão de ser ranzinza com literatura de entretenimento (oi, sou Team Eric e leio livros da Charlaine Harris). É só questão de que às vezes o efeito que uma história causa em um indivíduo não é o mesmo que causa em outros tantos. Só isso, simples assim. Então meu conselho é: parem de usar livros para tentar provar algo para terceiros, vocês estão fazendo isso errado. Livro é para curtir, seja lá qual história ele conte. No mais, fico sempre com as sábias palavras do Dude: