Shakespeare escrevia por dinheiro: E quem irá dizer que não existe razão?

A Literatura como Arte tem entre suas ‘n’ características o fato de emocionar o homem. Falar isso desse jeito parece algo meio frio, meio distante do que esse ’emocionar’ pode significar. Para dar um exemplo, vou primeiro citar um caso que envolve duas artes diferentes, a Música e o Cinema. Eu tinha algo entre 14 ou 15 anos e consegui convencer minha mãe a me levar ao cinema para assistir ao filme Minha Amada Imortal. E era um filme bacana e legal, e puxa, como eu gostava do Gary Oldman e tudo o mais. Até que chega uma cena perto da conclusão, com a Nona Sinfonia. Vou economizar as palavras e colocar a cena aqui (a qualidade está um pouco ruim, mas acho que já dá para captar a ideia):

Há uma combinação de elementos ali que até hoje ainda faz com que eu chore toda santa vez que eu assisto a esta cena, mas destaco principalmente a fuga do menino Beethoven com a música tocando, chegando ao ponto máximo quando ele começa a boiar no lago que reflete a luz das estrelas. Como vi no cinema, imagine tudo de forma mais ampliada – som, imagem – ampliando assim também os sentimentos. Talvez seja a memória daquela tarde no cinema que ainda faz com que eu me emocione, mas o fato é que eu realmente não consigo lembrar desse momento sem pelo menos uma lágrima. O engraçado é que se comento algo sobre Minha Amada Imortal com minha mãe, a cena que ela lembra é exatamente esta – então acho que o efeito não foi causado só em mim, no final das contas.

Mas é Cinema, e como disse, há a Música junto. Vários sentidos sendo provocados ao mesmo tempo, talvez a reação seja até natural. Mas e a Literatura? A forma de recepção é diferente, depende muito da nossa capacidade de usar a imaginação para conseguirmos visualizar o que está sendo narrado, então arrancar lágrimas de um leitor é algo difícil. Não basta descrever uma cena triste: o escritor antes precisa apresentar uma personagem com a qual o leitor vai se importar, ao ponto de realmente ficar triste com algum momento narrado. “Que bobagem, é só uma personagem!”, você pensa, enquanto enxuga algumas lágrimas dos olhos. Mas não tem jeito: lá está você, sentindo por um pedaço de ficção o que provavelmente sentiria por um amigo próximo.

Pessoalmente sou conhecida por ser uma manteiga derretida, me emociono bastante facilmente – acho que até por desfile de escola de samba, se bobear. Mas ironicamente não é fácil para mim chorar por causa de um livro. Já me apaixonei platonicamente por personagens quando era mais nova (Lancelote, Sherlock Holmes, há!), já me encantei por histórias ao ponto de querer ler e reler quantas vezes fosse possível. Mas chorar, foram poucas vezes. A  primeira eu lembro bem. Tinha 19 anos, estava no meio de uma aula de Técnicas de Reportagem e Entrevista lendo Eu sei que vou te amar, do Arnaldo Jabor. Aqui facilitou o fato de que meu coração já estava partido, então ao ler coisas como:

E eu? E eu? Pensa que é fácil pra mim?… eu ando na rua, eu olho um letreiro, ta teu nome.. passa uma mulher, vejo você… outro dia chorei diante e uma loja onde estava escrito: “Canos e Silenciosos”.. não sei por que este nome me deu uma nostalgia absurda.. canos… e silenciosos… a gente está emocionado agora.. mas a gente quis… você quis separar, não quis?…

Foi um pulo para começar o chororô, e para aquele livro virar minha bíblia por alguns tempos. Aí lá vão alguns anos e outro livro causa a mesma reação. Era madrugada e eu estava devorando A menina que roubava livros, naquele momento em que você sabe que falta pouco para acabar então mesmo que já esteja tarde e você tem que acordar cedo no outro dia, continua lendo. E PAM! PAM! PAM! Markus Zusak vai derrubando uma bomba após a outra, e não tem como segurar as lágrimas. Lembro do Fábio acordando e perguntando se estava tudo bem e eu “(snif) É que (snif) tem umas coisas tristes no (snif) livro”. Tenho até hoje a teoria de que na realidade o que cativou tantos leitores sobre esta obra não está necessariamente na qualidade literária, mas nesse processo de apego e desapego que o autor nos impõe. Se despedir de personagens nem sempre é fácil.

Um outro momento choroso em minhas leituras foi com A elegância do ouriço, de Muriel Barbery. A história é cativante, mas a escritora passa a perna no leitor e faz algo que decididamente não era esperado. E aí não é só a surpresa, mas como as demais personagens repercutem essa surpresa que acabam causando o choro. E já conversei com outras pessoas sobre o livro que disseram ter se sentido exatamente como eu, então acho que não é meu fator chorona pesando aqui.

E se comento isso agora é porque me dei conta que se esta coisa de chorar lendo livro é um evento raro para mim, estranhamente este ano já aconteceu pelo menos duas vezes. Meu coração estará mais amolecido? Os escritores estão mais cruéis? Serão os hormônios? Vai saber. só sei que com o final de The Perks of Being a Wallflower (Stephen Chbosky) e A Esperança (Suzanne Collins) lá estava eu de novo: “(snif) É que (snif) tem umas coisas tristes no (snif) livro”. Right in the feels.

 

31 thoughts on “Shakespeare escrevia por dinheiro: E quem irá dizer que não existe razão?

  1. Extremamente alto & incrivelmente perto: eu, na fila do RU, chorando como se tivesse perdido a avó, ainda nas primeiras páginas do livro. E em partes não especificamente tristes.

    Ai ai. Let me cry over those fictional characters.

      1. Foi uma das minhas melhores leituras do ano.

        Lá por 2050, quando eu estiver dando alguma entrevista e me perguntarem (ai, esses repórteres enxeridos, sempre querendo extrair fofocas e indiscrições da gente) o que eu teria para falar sobre 2012, eu direi muito provavelmente: “2012? 2012 foi um ótimo ano. Nele, li EA&IP, do Foer. Formidável.”
        =P

      2. Eu gostei de muita coisa que li este ano, consigo até fazer um top5 com razoável facilidade, e alguns são bem marcantes (tipo perks e o hugo mãe), mas sabe que ainda não dei de cara com um assim? Estou achando que vou furar a fila e ler de uma vez o extremamente alto, vai que é ele hahahah

  2. Acabei de assistir a trilogia do Senhor dos Anéis na versão estendida e me acabei chorando. E não é só com o filme não, desde a primeira vez que li, especialmente o final do terceiro livro (Portos Cinzentos) sempre choro… se bobear só de lembrar e falar dessa parte da história me emociono…

    1. com a trilogia eu me emociono horrores vendo o filme (aquele for frodo do aragorn e o deaaaaath do théoden são de matar), mas no livro eu não cheguei a chorar. eu ficava toda empolgada, de verdade, não lembro de um livro de aventura mexer assim comigo. mas chorar, não.

  3. eu nunca chorei , mas no a elegância quase foi tudo pro ralo, e nas partes do livro o apanhador no campo de centeio, pareçe que quando ele fala em se mudar para o campo ,sei la aquilo de tentar convenser o leitor e a si propio de que em outro lugar tudo vai ser diferente …
    e agora quase foi no livro o mundo do Juan José millás, mas não foi de novo , quero um livro pra chorar senão vou chorar srsrrsrsrsr

    1. o apanhador me pegou pela frase final, o de não contar as coisas para as pessoas para não sentir saudades de todo mundo. mas agora eu não lembro se cheguei a chorar ou não, hehe

    2. Gilberto… quer mesmo chorar? Eu chorei muito com ” A pequena abelha”…
      Fica a dica, rsrsrs. Mas claro que o que mexe com um pode não mexer com outro. Mas… vai lá. É pequeno e lindo de qualquer forma.

  4. Eu sou chorona demais em filmes (coloque Amadeus na tela e as lágrimas são certas) mas tb choro pouco lendo. Chorei em Esperança, e na última página do deixados para trás… Muito boa a coluna!

    1. Esperança é de matar. Espero de verdade que eles não tentem “adoçar” a história quando forem passar para o cinema.

      Obrigada, Kika =*

    1. Eu ouvi de bastante pessoas que A Culpa é das Estrelas causa este efeito mesmo, hehe. Até fiquei curiosa para ler – eu gosto qdo livros causam reações nos leitores, passam um pouco daquela coisa de só aceitar passivamente a história, sabe?

      1. Pois é, Anica. Enquanto eu lia eu só pensava naquela Oração da Serenidade (“Senhor, me ajude a aceitar as coisas que não posso mudar, etc.”), como se aquele romance fosse um verdadeiro “pedaço de vida”, nas palavras de Yves Reuter. Há tempos que não pegava um romance assim e me deixava levar por ele.

  5. Acho que você acertou em tudo no textinho desse mês. A começar pelo título. É impossível olhar para ele e não começar a cantarolar Eduardo e Mônica. HATERS GONNA HATE.

    Uia, não fui a única que chorei no final de The Perks of Being a Wallflower!

    Dizem que sou uma insensível (nem vou desmentir a minha fama), mas uma coisa é certa: se é filme (ou livro) que, de alguma forma, aborda a questão do câncer, eu choro oceanos. E o mais constrangedor é que o filme/livro pode ser MUITO RUIM e eu choro do mesmo jeito (vide o rio de lágrimas que chorei assistindo/lendo “Um amor para recordar”. Eu sei, eu sei, guilty pleasure). Meus traumas envolvendo o câncer dariam um livro de literatura de testemunho. Ops! Tá aí algo que costuma me emocionar ao extremo, também, literatura de testemunho. Quase chorei com “É isto um homem”, do Primo Levi.

    Um fato curioso é que eu não lembro de ter chorado tanto, lendo um livro de poesias, quanto chorei lendo “Sete Rosas Mais Tarde”, do Paul Celan. O livro é maravilhoso (Paul Celan é maravilhoso). E o tom de poesia testemunhal é ALGO.

    Chorei lendo “Vidas Secas” do Graciliano Ramos. Não chorei durante todo o livro, chorei no capítulo que emociona todo mundo. E nem vou falar mais do que isso porque vai que alguém não leu o livro eu acabo estragando a surpresa, né?

    “Morte e Vida Severina” e “O cão sem plumas”, do João Cabral de Melo Neto SEMPRE me fazem chorar. Releio esses poemas várias vezes no ano, e não há uma única vez que eu consiga ficar sem chorar. O problema é o “tal do social”. Ele me destrói.

    1. Com poesia para mim foi One Art da Elizabeth Bishop, mas porque meu primeiro contato foi através de uma leitura. Quando o cara falou aquele WRITE IT! eu já estava chorando hahaha

      (Eu choro com comédia romântica ruim. Juro. Fora do meu controle. ¬¬ )

      1. Não me fale em chorar com comédia romântica ruim. Namorei uma menina que chegou a chorar em uma cena de “Comer, Rezar, Amar” (comédia romântica ruim? Só sei que o filme é muito ruim) mas que confessou ter achado o filme, no todo, uma droga. Lembrei daquela cena em “Amor a Toda Prova”, em que a mulher (Julianne Moore) se separa do marido (Steve Carell) e, quando os dois voltam a conversar, ela reclama de ter tido a coragem (!) de alugar “Crepúsculo” e perceber que o filme era realmente uma droga.

      2. E o Namorados para sempre, vc viu? Não é comédia romântica, mas ó, não lembro de ter chorado tanto num filme como chorei com esse, viu?

  6. Também não lembro de ter chorado lendo algum livro… Mas vou pegar a sua dica e ver se lendo A menina que roubava livros ou A elegancia do ouriço eu choro, hehe…

    Mas com filmes, realmente eu derramo lágrimas e mais lágrimas! Realmente, apesar de não ter gostado muito do filme no geral, a cena final de Minha amda imortal é muito emocionante!

    1. A cena é linda demais. E a nona sinfonia tb, aí junta uma coisa com outra e vira até covardia hahaha. O lado ruim é que meu toque de celular era ode to joy, e como odeio telefones com os anos eu fui pegando um pouco de trauma dessa música =S

  7. Sou chorona por demais, qualquer coisinha já tá me levando as lágrimas, até o livro mais bobinho. Mas o mais tenso foi eu terminando O palácio de inverno no trem, chorando copiosamente sentada no chão do vagão (ruína! ruína!), falhando em me controlar.

    xD

    1. meus micos no transporte público são mais sobre risadas. contei pro tuca dia desses de uma gargalhada por causa de um capítulo de about a boy do hornby, que ó, tenho certeza que naquela vez eu era a maluca do busão. =F

      (e o palácio de inverno é arrasador mesmo)

  8. Anica,
    Também sou muito chorona!!! Choro com filmes, com livros, e esses dias fui em um concerto do Toquinho com a Sinfônica de Heliópolis e …. chorei. Meu marido e minha mãe se acabaram de rir de mim, mas me emociono muito fácil mesmo.
    Chorei também com a “Menina que roubava livros” e com ” A elegância do ouriço”, sem contar outros tantos… como ‘Vidas Secas” como alguém citou aqui. Sempre fui chorona, e depois que minha filha nasceu, acho que isso se intensificou mais ainda. As coisas conseguem mexer ainda mais comigo!

    beijos,

    Flávia Cardoso.

    1. O meu choro continuou igual depois que o Arthur chegou, meu problema no caso foi com filme de terror. Se tem filme de terror com bebê, pans, eu nem termino de ver. Comecei a ver Insidious na última sexta e parei assim que rolou a clááássica cena do bebê chorando do nada +_+

  9. Eu tenho bastante facilidade para chorar vendo filme, novela e até propaganda. Passei muita vergonha quando saí do cinema em Titanic. rs rs. Mas com livros realmente é um pouco mais difícil. Concordo com a Anica e a Kika, A Esperança foi de lascar! Mas meu pior vexame foi evitado graças a uma amiga que me avisou para não ler Criaturas da Noite, do Gaiman, em público. Nuss!!! Tá, é uma HQ, mas, sinceridade, eu não me ligo muito nos desenhos das HQs do Gaiman. “O preço” (a primeira história) simplesmente acabou comigo! Terminei a história e não consegui seguir adiante. Larguei a revista e fiquei jogada no sofá, aos prantos. No dia seguinte, li o resto da revista e nunca mais tive coragem de abrir de novo.

    1. Lana, este O Preço tem também em uma coletânea de contos do Gaiman (aí como conto mesmo, não hq). É realmente bem triste – especialmente para os gateiros ;/

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