Shakespeare escrevia por dinheiro: Ao antagonista, com carinho

Estava cá lembrando de um dia na terceira série. A professora cujo nome eu achei que jamais esqueceria, mas percebo agora que já esqueci, queria fazer um teatrinho baseado na novela Que rei sou eu? e no fatídico momento da distribuição de papéis, ninguém queria ser o vilão, Ravengar. Seguiu então uma daquelas conversas das quais a gente só entende de fato o conteúdo uns quinze anos depois. Vale ressaltar que a professora cujo nome esqueci conhecia as limitações de compreensão de crianças de nove anos de idade, então usou expressões como “Ah, gente! A história ficaria tãããão chata se o herói não tivesse quem derrotar! Pensem no He-Man, que graça teria se ele ficasse andando em Etérnia sem ter que lutar com o Esqueleto!”. E claro, a partir disso houve até briga para saber quem interpretaria o Ravengar (A quem interessar possa, meu papel foi “esposa do conselheiro”, o equivalente a “pedra” ou “árvore” em qualquer peça infantil. Mas usei um vestido bacana, então valeu).

Enfim, retornemos ao antagonista. Faço questão de usar esse termo e não “vilão”, porque o segundo está carregado de um sentido de maldade pela maldade (como o Esqueleto do He-Man), o que acho vazio e sem sentido. Já o primeiro, dá apenas a ideia de oposição ao protagonista, o que oferece um número enorme de opções para suas motivações. Supondo que você seja o protagonista da história da sua vida, você pode encontrar por seu caminho vários antagonistas: pessoas que te fazem mal não apenas para te ferrar ou porque foram criadas para serem malvadas, mas simplesmente porque precisam fazer algo que não necessariamente será agradável para você. A saber: atendentes de telemarketing, o filho da mãe do seu ex, sua sogra, etc.

E para se ter noção da importância do antagonista nas peças de nossas vidas (e portanto, na Literatura), o termo surgiu com o teatro grego (acredita-se que introduzido por Ésquilo), e este era o nome dado ao ator que vinha ao palco depois do primeiro. Era a presença do antagonista que possibilitava o desenvolvimento do diálogo nos dramas. Sem ele, não haveria história para representar. Além disso, se pensarmos bem, o antagonista também superlativa as virtudes do protagonista, tornando-as superiores a qualquer falha que o “bom moço” possa vir a ter. É o antagonista que mostra para o público o quanto o rival é bom caráter e trabalhador, salvando a personagem principal de ter que dizer “Oi, eu sou um cara bom caráter e trabalhador” (o que poderia soar arrogante – um defeito).

Deixando nossas vidas de lado e voltando para os livros, pense em como alguns antagonistas conseguem até roubar a cena, de tão bem apresentados/construídos/desenvolvidos. São aqueles sujeitos que amamos odiar, que sabemos que não vão acabar bem no fim, mas ainda assim torcemos por eles. Da minha galeria de antagonistas favoritos consigo lembrar aqui, nesse momento, da Marquesa de Mertuil, de As Relações Perigosas (Chordelos de Laclos) – se ainda não leu este livro faça um favor para você mesmo e leia, a Marquesa e o Visconde de Valmont são apaixonantes. E o que dizer sobre Drácula, Hannibal Lecter, Heathcliff, Anton Chigurh, Pennywise… ? Nas HQs tem o Coringa, que dependendo de quem escreve a história é simplesmente genial (atenção especial para o de Alan Moore em A Piada Mortal).

Veja bem, não acho que um romance só tenha graça se apresentar um vilão inesquecível. Há uma galeria de heróis e anti-heróis igualmente apaixonantes por aí (eu sou fã número um do Capitão Rodrigo e totalmente Team Eric, por exemplo), e muitos dos meus livros favoritos sequer têm a ideia da personagem como antagonista (penso aqui em Budapeste do Chico Buarque ou ainda Esperando Godot do Beckett). Mas, sim, eu gosto desse tipo de personagem e acho que eles merecem lá sua porção de reconhecimento. Nas nossas histórias e nas dos livros, parece que eles são aqueles que fazem as coisas simplesmente acontecerem, e a vida não ser apenas um monótono passeio por Etérnia…

Livros lidosEveryone’s Reading Bastard (Nick Hornby), O Horror Em Red Hook (H.P. Lovecraft), A Trama do Casamento (Jeffrey Eugenides), O Substituto (Brenna Yovanoff), Antologia Poética (Carlos Drummond de Andrade) e Cinquenta Tons de Cinza (E.L. James).

Leituras em andamento: A sordidez das pequenas coisas (Alessandro Garcia).

Livros que chegaramAntologia Poética (Carlos Drummond de Andrade), Granta: Os melhores jovens escritores brasileiros (Vários), Geração Sub-Zero (Vários), A sordidez das pequenas coisas (Alessandro Garcia), Altas Literaturas (Leyla Perrone-Moisés), Foco (Arthur Miller) e Gabriela, Cravo e Canela (Jorge Amado).

21 thoughts on “Shakespeare escrevia por dinheiro: Ao antagonista, com carinho

    1. esse livro é lindo. e eu adoro a adaptação para o cinema tb ^^
      aliás, gosto tanto desse livro que até dou uns créditos para aquele filme teen, cruel intentions, pq é baseado no relações hahahah

      1. Ah, mas a adaptação pro cinema só funciona porque antes ele havia sido adaptado para o teatro, Anica. Christopher Hampton, meu herói. 😀

      2. E de “Um Método Perigoso”, “Eclipse de uma Paixão” e “O Americano Tranquilo”. 😀

      3. Muita gente chiou, mas se você se interessa pela dinâmica da relação entre Jung e Freud, eu recomendo.

  1. Anica, posso aproveitar o momento e perguntar onde vc comprou o Horror em Red Hook pelo preço que mencionou? eu preciso ler algum livro de terror para o desafio literário de agosto e estou sem fundos para livros muito caros 😦

    Gostei demais do seu texto. Eu amo antagonistas quando bem construídos e geralmente são eles os donos do meu coração e não os protagonistas. Inclusive, estou lendo um livro atualmente que não poderia desprezar mais os protagonistas (e acho que é por isso que estou demorando semanas para ler o bendito). As vezes acho que os autores tem medo de tornar os protagonistas falíveis e por conta disso destroem as personalidades deles.

    1. Oi Mica! Sobre O Horror em Red Hook, como é pocket da L&PM já era para estar disponível até em banca, mas não sei como está sendo a distribuição. Mas na Livraria Cultura tem (e-book custa 3 reais, livro normal 5) >>> http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=29881536&sid=21420324814527478546695018

      E concordo com você sobre o medo de alguns autores em tornar os protagonistas falíveis. Por outro lado, alguns também erram a mão na hora de compor a personagem, colocando tanto defeito que não tem nem como gostar/simpatizar hahaha. Qual é esse livro que você está lendo agora?

  2. Ótimo texto!
    E viva os antagonistas! Principalmente aqueles que aparecem em nossa vida, deixa tudo mais emocionante.

  3. ‘Sa coluna é boa demais da conta, sô.
    Também tenho um fascínio pelos antagonistas. Se bem construídos, eles alavancam as qualidades dos protagonistas. E concordo com você, a classificação “vilão” tem uma carga muito negativa.

    P.S.: não sei se você (ou outra pessoa) já falou sobre isso, mas lendo sua coluna, achei que ficaria sensacional se você escrevesse um texto sobre as personagens ditas “loucas”. É que você citou o Coringa, aí eu lembrei do “dia ruim”, que torna pessoas centradas em loucas, e que “a loucura é a saída de emergência”, etc.

      1. Entendi. Mas trainspotting é coisa linda de… de… tá, complete a minha frase. lol

        Btw, por mais estranho que possa parecer, eu tenho uma tendência a me interessar por personagens autodestrutivos. Céus, gosto de tudo o que é gauche!

  4. anica lembrei da Scarlett O Hara do .. eo vento levou ela é tão pertubada e perigosa que é a única que é protagonista e antagonista kkkkkkk
    nunca consegui definir se ela é a moçinha ou uma vilã principal pq ela faz cada armada no livro que acabo ate pensando ahhhhhhh mas se ela que é a moçinha faz isso o vilão do livro vai ter que fazer bondade kkkkkkk

    1. Eu preciso ler o livro ainda, mas adoro a Scarlett no filme, é realmente perturbada e egoísta. Adoro como ao longo do filme ela vai crescendo, mas sem perder a essência. =D

      1. o livro é um tijolo de 800 páginas mas realmente o legal é isso ela sofre e sofre mas ficar boazinha não é nem uma possibilidade no cerebro dela, apesar de ela crescer e saber viver por si propia.
        não vi o filme mais deve ser impagavel a parte que ela pega a cortina pra fazer vestido e finjir que ama o vilão

      2. como OUUUUSA chamar rhett butler de vilão? é a personagem mais foda da história do cinema =((((((((((((((((((

        hihihi

        veja o filme, é muito, muito bom. tem trocentas horas de duração, mas sempre que está passando na tv eu paro para rever.

      3. kkkkkkkkk perto da scarlett ele vira moçinho kkkkkkk
        o duro é coragem sótenho preguiça de ver clip no you tube condira filme ssrrsrsrsr
        mas tentarei ver

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